Minhas queridas filhas,
Conto-vos uma história que começa
agora. 54 anos depois de eu ter nascido.
Como falar por escrito daquilo
que nem sussurrado queremos ouvir? Haverá como dize-lo sem parecer tão pesado? Pois bem:
No dia 13 de dezembro de 2016
recebi o telefonema com o resultado da biópsia assistida por vácuo para
despiste de cancro da mama. A prescrição, baseada na mamografia e na eco-mamária
de rotina, dava-me como BI Rads 4A, com baixa suspeita de malignidade, mas afinal havia (uma
alcateia de) lobos mascarados de cordeiros no volume das microcalcificações. É umTriplo Negativo na mama direita com metástases nos ganglios.
No espaço de dias misturei e
sobrepus emoções. E vocês sabem como a mãe é de emoção lenta. Imaginem o quanto
andei perdida. O meu corpo e a minha alma separaram-se, ofendidos de morte.
Tive repulsa da minha própria mama.
Achei que ia superar isto na maior. Achei que ia morrer no dia seguinte. Achei
que não merecia. Achei que merecia. Achei que tinha um azar do caraças. Achei
que no fundo tinha imensa sorte!
Achei que vos ia causar desgosto
e sobre isso ainda não me recompus. Desculpem não vos ter dito logo logo mas
espero que compreendam agora que tive de me focar antes de partilhar.
Esta doença é insidiosa.
Silenciosa. Não respeita os meus comportamentos e está a dar cabo do meu corpo.
Eu não me reconheço nesta doença. Se alguém vos disser que enfrenta um
veredicto destes exclusivamente com força e boas energias, está sobretudo a mentir a si
próprio. É preciso ter muito respeito por esta doença. Não a menosprezem.
Há um oitavo passageiro a crescer
dentro de mim (lembrem-se de quando vos “obriguei” a ver filmes de bons
realizadores) e eu pouco mais posso fazer senão dar o corpo aos tratamentos. Quando
à alma, abri os braços e juro que não estava à espera de tanta boa energia,
vinda de tanta gente, amigos e conhecidos que me tem tornado tão mais suave
este caminhar. Quanto a Deus, é pai. Não me faltará.
A vossa existência, Mariana e
Madalena, é a prova de que tudo o que me acontecer, valeu a pena. Vamos lá fazer esta caminhada! É preciso procurar bem, mas há sempre uma flor no meio do entulho. Obrigada António,
obrigada minha irmã Mary por olharem por mim pelo canto do olho, não vá eu
precisar de alguma coisa ;)
Irei fazendo a cronologia dos
factos, para memória futura e, sobretudo, para ficar com a ideia que controlo esta
cena.