Tuesday, April 17, 2012

fernando jorge (1965-2012)

O elevador continua avariado. Subi os dois andares a praguejar e aproveitei para falar contigo. O caso é que o sentido da vida era um, até à tua morte. Agora é outro. Todos os que me morreram, até ti, não me causaram estranheza. Tu pelo contrário! Tu teres morrido, não faz o menor dos sentidos!
O que nos dizem sobre a vida e o que nós dizemos aos nossos filhos é um bocado embuste, perante a indiferença com que a morte chega, vê e vence. Puta de merda.
Há, porém, a passagem pela vida. E o que se faz enquanto estamos vivos. Estar vivo e viver são coisas muito diferentes, não são?
Lembras-te de acordar com uma paragem de autocarro dentro do quarto? E da tua mãe nos obrigar a ir pôr a paragem no sítio!!!?
Lembras-te da tua primeira bebedeira com B grande? O teu réveillon acabou antes da meia-noite, com o litos e o carlos lopes, um de cada lado, a levar-te a casa.
Lembras-te de trabalharmos que nem uns condenados naquela imensa fábrica? Podíamos ter feito fortuna…LOL
Lembras-te das maratonas de caracóis e imperiais? Depois de duas imperiais bem aviadas aterrei no teu sofá e acordei ao outro dia, tapadinha, contigo a olhar para mim, sorriso trocista e torradas feitas.
Lembras-te de teres sido obrigado a ter chaperon nos fins de semana em que ficavas com a tua filha e do que nos divertimos em teatrinhos feitos por elas, idas ao jardim zoológico, ao bowling e tudo o mais que nos apeteceu?
Lembras-te de teres ideias loucas com namoradas e eu andar a levar-te aos locais mais estrambólicos só porque era imprescindível que lá fosses naquele momento dar um beijinho!!?
Lembro-me de ires dizer que eu era “fora de série” porque fui à estância e acarretei com uma tonelada de madeira cortada e fiz uma estante (das pequenas) para o quarto onde dormia.
Lembras-te da quantidade-de-vezes que andámos de casa às costas? Muito montámos e desmontámos, louceiros, aparadores, camas, roupeiros.
É que eu lembro-me de tudo. E estaria aqui a falar durante horas.
A tua generosidade por vezes, tocava a ingenuidade. Tocava o disparate - disse-to. Ao mesmo tempo que to repito, penso no que tu já gozaste, aí onde estás, ao ver tanta viúva a chorar por ti cá em baixo…
As tuas sobrinhas sabem, agora, que não haverá nunca mais natais com dantes. Eu e a mariana vamos continuar a amassar filhós. Por todos nós.
Não sei o que será, nem quando será, nem como será, comigo. Vi contigo o que é lutar até ao último momento. Vou tentar fazer igual. Vou tentar sorrir até ao fim, como tu fizeste, generosamente.
Já cheguei ao gabinete.
Vou trabalhar. Até breve, rapaz. Fica com Deus.
Quando estiveres com a avó Guiomar diz-lhe que a adoro e pergunta-lhe porque raio é que eu havia de herdar as pernas dela, hein?!

No comments:

Post a Comment

Revisoes da edicao